Vamos começar pedindo e recebendo a benção. E dando a benção também. É uma satisfação estar aí no meio de vocês com essa voz rouca minha, mas com todo carinho e gratidão.
Eu gostaria de insistir num aspecto que pode abranger muitos aspectos. Uma primeira ideia, forte.
Eu sou a minha espiritualidade, eu não tenho espiritualidade. Sou a espiritualidade.
Porque minha espiritualidade é toda minha vida: o que eu sou, o que eu faço, o que eu suporto, o que eu conquisto, o que eu anseio, a minha esperança.
Tudo isto é a minha espiritualidade. Com todas as circunstancias de família, de comunidade. Na hora concreta, do país, do mundo. Eu sou minha espiritualidade.
Gostaria que esta expressão com todo o seu conteúdo ficasse nas mentes, e nos corações de vocês.
Dentro disso, evidentemente especificamos: há muitas espiritualidades.
Toda pessoa que vive com certa intimidade, com certa profundidade, motivada por ideias maiores, por anseios, por ideais, por causas, é uma pessoa que tem espiritualidade. Inclusive pode chegar ao ponto de não ter uma referencia religiosa, mas são valores que acabam sendo religiosos também.
Nós, fundamentalmente, é lógico, somos espiritualidade cristã, mais explicitamente, no seguimento de Jesus. De modo que revitalizemos esta perspectiva essencialmente cristã. A única essencialmente cristã, o seguimento de Jesus.
Também a Sua espiritualidade foi a Sua vida, que centramos no mistério da Páscoa, morte e ressurreição.
Se dará depois traços particulares: homem e mulher, família, estudos, saúde, experiências e fracassos, triunfos, o dia-a-dia.
Eu gosto de insistir também: “Yo soy el día de hoy” (Eu sou o dia de hoje).
Também na espiritualidade é necessário ser bem realistas, não apenas sonhar espiritualidades, mas, vivenciar a Espiritualidade.
Três traços maiores para uma espiritualidade autêntica:
- Que não seja infantil;
- Que não seja dispersa;
- Que não tenha horas de espiritualidade, casos de espiritualidade, mas que seja a minha vida toda.
As três características são:
1ª Personalizada: não posso viver a minha espiritualidade como se fosse apenas uma herança que os meus pais me deixaram, a herança do batismo. Eu sou cristão, entrei numa congregação, numa ordem religiosa. A ordem tem os seus conselhos e as suas regras, e eu intento seguir no barco. Deve ser uma espiritualidade personalizada. Critica e autocrítica, assimilada na minha pessoa com tudo o que eu sou. Deveríamos dizer que eu sou integralmente a minha espiritualidade. Personalizada, ou seja, adulta. Há muita espiritualidade infantil, e a pregação oficial e os livros oficiais de espiritualidade ao longo da história da Igreja, com muita frequência tem sido miméticos, infantis. Reclamamos de certas regras, certas leis, certas praticas que Jesus condenou explicitamente, os farisaísmos dos doutores da lei. E nós temos vivido com muita frequência, uma espiritualidade despersonalizada, carregando uma espiritualidade que nos mostraram, que nos exigiram e que nós estamos praticando de um modo mais ou menos rotineiro.
2ª característica, Integradora: já dissemos isso, afirmando eu sou minha espiritualidade.
Espiritualidade deve integrar toda minha pessoa: meu corpo, meu sexo, minha fantasia, meu entendimento, meu trabalho, meu lazer. Integrar minha vida de homem, de religioso, de novo, velho, com doença, com provas, integradora.
De fato, o que está se buscando em tantos livros e ensaios e teorias com respeito à espiritualidade, um nome ou outro nome, o que está se buscando é conseguir uma certa integração que seria também a PAZ no sentido bíblico da palavra. Esta plenitude de uma pessoa, a integradora e, evidentemente, solidária. Poderíamos acrescentar, eu sou a minha espiritualidade COM, e aí vem todo aquele, toda aquela que é próximo. A espiritualidade neste sentido será muito personalizada, mas não muito isolada, não muito egoísta.
[3ª característica: Solidária] Se há também nestas procuras, de novos métodos, de novas celebrações, de novas igrejas inclusive se dá o risco de procurar A Própria Espiritualidade. Só. sem contar com as espiritualidades e as pessoas do próximo, então uma espiritualidade solidária, na diaconia do Reino, profeticamente, historicamente, e aí sim, que a vida religiosa, que a vida consagrada tem muito a corrigir, tem muito a reassumir.
Todos temos experiências de termos vivido épocas de um modo muito ensimesmado, satisfeitos talvez de sentir aquele calorzinho da consolação, mas esquecendo que a espiritualidade cristã é diaconia, serviço, é ministério, é doação, auto doação, em comunidade, em família, em sociedade.
Três características maiores então para essa espiritualidade que sou eu, que devo ser eu: espiritualidade personalizada, adulta, harmônica, integradora de todo o meu ser, de todas as minhas horas, de todos os meus problemas, de todas as minhas soluções, de todas as minhas possibilidades, integradora e solidária, na diaconia do Reino, profeticamente, historicamente, e ainda vocês diriam: parecem que são traços que cabe em qualquer espiritualidade mesmo fora do cristianismo. É certo, cabe. E cada vez mais o diálogo inter-religioso, entendemos que este dialogo abrange também a espiritualidade do próximo, com a qual também dialogamos.
Mas nós, nessa espiritualidade toda, personalizada, integradora, solidária, vivenciamos o Mistério Pascal.
O bispo mártir Angelelli, argentino, pedia muito aos seus padres, agentes de pastoral, ao povo, a sua igreja, que fossem sempre e cada vez mais uma Igreja Pascal. Com tudo o que o Mistério da Páscoa comporta.
Vivendo num contexto latino-americano, ou seja, sentindo e assumindo que somos América Latina, a Pátria Grande, a Nossa América. Não somos Europa, não somos Ásia, não somos África, somos a Nossa América, um contexto que é continental, que supõe reconhecer, recordar e assumir muitas lutas, muitos martírios, muitas vitórias, muitas esperanças.
Com estes dois traços característicos de uma espiritualidade cristã latino-americana hoje: Medellín está aí como um espelho, como um farol. Medellín com tudo o que Medellín significa: a opção pelos pobres, a reassunção do testemunho dos mártires e um Espírito Livre e Libertador.
Espiritualidade da Libertação. É uma espiritualidade especificamente historizada. Como, aliás, vocês sabem, novo e antigo testamento contam história: a história do povo de Israel, a história de Jesus e de sua Igreja.
A espiritualidade latino-americana é uma espiritualidade política também, explicitamente política. Que é o único modo de viver a história comprometidamente e construindo uma história nova.
Um abraço para vocês. Seguiremos muito unidos. E à Páscoa.
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