Ele, Jesus de Nazaré, assumiu o conflito até à morte, e morte de cruz. Com frequência o conflito por causa do Evangelho e da libertação nos levará até ao martírio.20 A América Latina é uma testemunha coletiva disso. Nos primeiros dias da Igreja isso era natural. Orígenes dizia que os catecúmenos se preparavam simultaneamente para o batismo e para o martírio. O Vaticano II reassumiu esta exigência para nossos dias quando afirmou a necessidade de todo cristão estar habitualmente disposto a confessar a Cristo com seu sangue, se for preciso (LG 42). Hoje, na América Latina, Igrejas inteiras ostentam a cruz e a palma de Igrejas mártires; ser ministro da Palavra na América Central, ou trabalhar na pastoral dos menores em qualquer cidade do continente, ou na pastoral indígena ou na pastoral da terra em quase todos os países, para citar alguns exemplos, é com frequência uma candidatura cristã ao martírio. “O sangue pelo povo” é um título de nosso martirológio continental21 e é uma realidade constante, em diferentes setores do continente, quando são assumidas as responsabilidades de uma espiritualidade cristã tão contemplativa como política, tão livre como libertadora.
A memória subversiva de tantos mártires é alimento forte da espiritualidade de nossas comunidades e da resistência de nossos povos, caminho da libertação. A celebração dessa memória, tão sacramentalmente eficaz, é a melhor expressão de uma gratidão que conforta e compromete. Um povo ou uma Igreja que se esquecem de seus mártires não merecem sobreviver. Essa memória, essa celebração são constantemente viabilizadas nos nomes, nos rostos, nas palavras, nas relíquias e até no sangue estampado que adornam casas, salas e templos, cartazes e mantas, murais e camisetas.
Ser cristão, dizemos, é ser testemunha pascal. Ser testemunha, não só etimologicamente mas também na vida, pode equivaler a ser mártir. O martírio, a partir da morte de Jesus, é o paradigma máximo da cruz cristã. “Ninguém tem maior amor do que quem dá a vida pelos que ama” (Jo 15,13).
Do livro: Espiritualidade da Libertação, Pedro Casaldáliga e José María Vigil
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